PODER JUDICIÁRIO
ESTADO DE GOIÁS – COMARCA DE GOIÂNIA
2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL E DE REGISTROS PÚBLICOS
Processo: 5229478.43.2016.8.09.0051
Natureza: Dúvida ( L.E. )
Suscitante: RODRIGO ESPERANÇA BORBA
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de AÇÃO DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA ajuizada pelo OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA 4ª CIRCUNSCRIÇÃO DE GOIÂNIA quanto à pretensão de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.
Expõe o suscitante que o suscitado protocolizou no Registro de Imóveis da 4ª Circunscrição de Goiânia, sob o nº 227.431, escritura lavrada no 2º Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabelionatos de Notas de Goiânia, cujo objeto consiste em divórcio consensual e partilha de bens, cumulado com compra e venda dos direitos de meação correspondente ao percentual de 50% que caberia ao cônjuge virago, do apartamento 2101 e box de garagem 16-T, situados no Residencial Gran Royale, no Setor Universitário, matriculados sob o nº 57.170, pelo preço certo e ajustado de R$ 102.768,97.
Conta que, em uma análise preliminar, verificou-se que o expediente geraria custas no importe de R$ 1.174,00, mas após devida qualificação do título foi identificada a necessidade de se promover prévio registro da partilha do imóvel, por ser antecedente lógico do contrato de compra e venda, em respeito ao princípio da continuidade, bem assim em razão ao estado de mancomunhão ao qual permanecem os bens depois da separação judicial.
Relata que o suscitado não concordou com a exigência, porquanto esta acarretará na necessidade de complementação de emolumentos referentes à partilha e requereu, assim, fosse suscitada a presente dúvida.
O procedimento foi instruído pelos documentos inseridos no evento nº 01.
Intimado para se manifestar, o suscitado quedou-se inerte. (evento nº 13)
Concitado, o ilustre representante do Ministério Público emitiu parecer pela procedência da dúvida, para que seja determinado o prévio registro de partilha do imóvel para, só então, ser averbada a escritura pública de divórcio consensual e partilha de bens.
Vieram-me os autos conclusos.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
O Oficial do Cartório do Registro de Imóveis da 4ª Circunscrição de Goiânia, ante a previsão do artigo 198 da Lei de Registros Públicos, suscitou a presente dúvida, afirmando que para possibilitar o acolhimento da pretensão do suscitado consistente na averbação da escritura pública de divórcio consensual e partilha de bens cumulada com compra e venda de direitos de meação, em razão do princípio da continuidade, faz-se imprescindível o prévio registro de partilha do imóvel.
E, em análise à exposição fática e aos documentos que instruem este procedimento, penso assistir razão ao suscitante.
Com efeito, por princípio da continuidade, entende-se que ?(…) os registros devem ser perfeitamente encadeados, de forma que não haja vazios ou interrupções na corrente registrária. (?) Destarte, nenhum registro pode ser feito sem que se tenha previamente registrado o título anterior, do qual dependa.? (LOREIRO, Luiz Guilherme. 2017, p. 573)
Outrossim, discorre Afrânio de Carvalho que o aludido princípio se apoia no postulado da especialidade, razão pela qual, ? (?) em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.? (Registro de Imóveis, 4ª Ed., p. 254)
Daí extrai-se que o título sobre o qual recai a pretensão de registro deve estar em conformidade com o que possui inscrição na matrícula e que o titular do domínio seja o mesmo daquele do título apresentado a registro, sob pena de violação ao princípio da continuidade, que possui previsão no artigo 195, da Lei nº 6015/73:
Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Deveras, não se pode olvidar que os atos de registro são dotados de formalidades próprias que não podem ser descumpridas, sob pena de violação ao princípio da legalidade, que confere segurança jurídica aos registros públicos.
No caso em apreço, conforme consta dos documentos coligidos aos autos, tem-se que no ato de divórcio consensual do suscitado, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, e XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, ficou pactuado que a cônjuge virago, XXXXXXXXXX, venderia ao cônjuge varão, XXXXXXXXXXX, seus direitos de meação correspondente a 50% do imóvel consistente em um ágio do apartamento nº 2101, e de um box de garagem, situados na Rua 238, Residencial Gran Royale, Setor Universitário, Goiânia.
No entanto, ao apresentar a escritura pública de divórcio consensual ao Registro de Imóveis da 4ª Circunscrição de Goiânia, com pretensão de sua averbação, o suscitante constatou a necessidade de efetivação do prévio registro da partilha do imóvel, por se tratar de antecedente lógico à compra e venda.
Ora, os bens que pertenciam aos cônjuges em estado de comunhão, por serem casados no regime de comunhão parcial de bens, não passam automaticamente, após o divórcio ou separação judicial, ao estado de condomínio, mas de mancomunhão, ou patrimônio de mão comum.
Sobre o assunto, Flauzilino Araújo discorre que: ?Avaliando que a comunhão decorrente do regime de bens é resultante da situação jurídica e não somente da pluralidade de pessoas parece-nos que findo o interesse econômico conjugal pela separação ou pelo divórcio, havendo partilha de bem imóvel, é de rigor seu registro como ato constitutivo, de sorte que eventuais interessados saibam qual foi o destino dado ao patrimônio do casal por ocasião da partilha. Parece-nos que a publicidade registral resultante de simples averbação de separação ou de divórcio, para fins de atualização do estado civil como é praticado nos Registros Imobiliários do Estado de São Paulo, em razão de decisões vinculantes, não tem a força de estabelecer o condomínio que só seria formado mediante partilha e consequente registro?. (SANTOS. Flauzilino Araújo dos. Condomínio e incorporações no Registro de Imóveis. São Paulo: Mirante, 2011, p.44, nota 2) – Destaquei
Aliás, não foi outro o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, no seguinte julgado:
(?) 1. Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espécie, com um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se ? apesar da oposição do recorrente quanto a incidência do instituto ? a ocorrência de mancomunhão. 2. Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constara é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex cônjuges, à totalidade dos bens (RESP nº 1.537.107/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJE. 25.11.2016).
Desta feita, enquanto o patrimônio permanecer no estado de mancomunhão, não é possível considerar que haja parte ideal de um ou de outro ex-cônjuge, obstando, assim, o registro da escritura de venda e compra da metade ideal do imóvel tal como apresentada.
Portanto, não sendo procedido o prévio registro da partilha, da qual conste a atribuição das partes ideais, ou a estipulação de que os bens passam para o estado condominial, seja por escritura pública, seja pela via judicial, conforme o caso, não se mostra possível o registro da venda e compra de parte ideal, em observância aos princípios registrários da disponibilidade e continuidade.
Com fulcro na fundamentação ut supra, JULGO PROCEDENTE a presente Dúvida, devendo o Oficial do Registro de Imóveis da 4ª Circunscrição de Goiânia se abster de realizar a averbação da escritura pública de divórcio consensual cumulada com compra e venda dos direitos de meação, nos termos em que solicitado pelo suscitado, enquanto não for promovido o recolhimento dos emolumentos decorrentes do prévio registro de partilha.
Por se tratar de procedimento administrativo, sem custas e honorários.
Publique-se. Registre-se. Intime-se, inclusive o Ministério Público.
Após, arquivem-se os autos, com as devidas baixas.
Goiânia, 12 de junho de 2017.
F. A. DE ARAGÃO FERNANDES
Juiz de Direito